Resumo das obras indicadas para o Vestibular 2017.1 da URCA

 

 

Confira abaixo o resumo e comentários das obras indicadas para o vestibular 2017.1 da Universidade Regional do Cariri - URCA. Os resumos não substituem a leitura integral das obras, mas dão uma ideia do enredo e dos autores. Boa leitura e boa prova a todos (as).

FACA, de Ronaldo Correia de Brito; CONTOS NEGREIROS, de Marcelino Freire; PARA VIVER UM GRANDE AMOR, de Vinícius de Moraes; O SILÊNCIO LAMINADO DO CASULO, de Cleilson Pereira Ribeiro; AVES DE ARRIBAÇÃO, de Antônio Sales; AS ODES DE RICARDO REIS, de Fernando Pessoa.

 

Contos Negreiros, de Marcelino Freire

Na obra Contos Negreiros, Marcelino Freire aborda temas delicados e polêmicos como racismo, turismo sexual, tráfico de órgãos e homossexualismo. A paisagem urbana é o cenário principal de seus cantos (contos). Algumas paisagens de importantes centros urbanos, como Recife e São Paulo, como as zonas de prostituição, morros, favelas e pontos turísticos, tornam-se palcos para a exposição de uma realidade complexa e miserável, vivida por prostitutas, “bichas”, negros, índios, além de abrigar traficantes de órgãos e de drogas, e turistas sexuais. Marcelino Freire apresenta 16 narrativas (contos e crônicas) que procuram aproximar-se de uma linguagem coloquial, memorial e, às vezes, musical, baseada nas influências deixadas pela oralidade das ladainhas e canções nordestinas. Ele escreve a partir do ponto de vista de brasileiros miseráveis ou mortos-vivos, que, como “zumbis”, vendem de tudo para sobreviver: drogas, o corpo, o rim. Sua criação literária passa pela valorização da memória, oriunda das heranças culturais – a cultura popular nordestina – e a percepção de um tempo presente. As experiências ocorridas no dia-a-dia das metrópoles brasileiras apresentam testemunhos de sujeitos que estão à margem da sociedade contemporânea. Sujeitos sem voz, sem espaços para o testemunho, vistos quase como objetos ou tratados como objetos pela mídia e por toda sociedade.

Embora o título do livro e a capa do mesmo, com uma imagem de um homem negro (possivelmente escravo), indiquem, num primeiro momento, que as narrativas são dedicadas a histórias sobre o negro, o autor não parte do preconceito ao negro ou de sua realidade de exclusão para compor sua obra. Ela é composta pela experiência de exclusão de todos os “mortos-vivos” que perambulam pelas ruas dos grandes centros do país, independentemente da cor da pele.

A narração de uma experiência guarda algo da intensidade do vivido, seja por aqueles que narram sua própria experiência ou por aqueles narradores observadores que narram a experiência do outro. Nos Contos Negreiros, são narrados acontecimentos comuns à vida de sujeitos comuns. Fatos do dia-a-dia narrados por seus protagonistas, aqueles que sempre têm suas vozes emudecidas pelos próprios acontecimentos dos quais são autores. Para tanto, Freire utiliza-se, como já citado, da oralidade, da memória, ora do relato objetivo, ora do relato subjetivo, para desenvolver testemunhos que não visam formar uma identidade, mas apresentar as condições extremas vividas em plena contemporaneidade. Tais condições são encontradas no “canto” Nação Zumbi, que apresenta a história de um personagem sem nome, que estava prestes a fechar um negócio: a venda do próprio rim para traficantes de órgãos. O personagem narra com indignação e frustração a interrupção da compra, a impossibilidade do fechamento do negócio. A polícia descobre a trama e o desfecho da história é a afirmação: “sei que vão encher meu rim de soco”. Ele acreditava que a venda do seu órgão era uma forma de mudar de vida, de “livrar sua barriga da miséria”. O texto mostra a pobreza, o comércio ilegal, o corpo como moeda, como pode ser lido na seguinte passagem do conto:

“E o rim não é meu? Logo eu que ia ganhar dez mil, ia ganhar. Tinha até marcado uma feijoada pra quando eu voltar, uma feijoada. E roda de samba pra gente rodar (..) E o rim não é meu, sarava?Quem me deu não foi Aquele-lá-de-cima, Meu Deus,

Jesus e Oxalá? (...) O esquema é bacana. Os caras chegam aqui levam a gente para Luanda ou Pretória. (...) Puta oportunidade só uma vez na vida (...)”.

Na história acima, o protagonista teria que ir a Luanda ou Pretória para fazer sua cirurgia. As metrópoles, desde o período moderno, surgem como centros para a formação cultural, intelectual e profissional do homem que, então, através do trabalho, gera o progresso. No entanto, elas tornaram-se também o cenário mais comum dos processos ilícitos construídos pela humanidade: tráfico, sequestro, violência, roubos. O autor abriga seus personagens dentro das zonas mais inóspitas da cidade, mas sem deixar de produzir um fascínio nos próprios personagens (e nele mesmo). O testemunho representa as experiências de um coletivo que as torna, sobretudo, comunicáveis. Algo que, embora possa virar notícia, não torna a experiência uma mensagem a ser legitimada. Segundo Beatriz Sarlo, para existir a experiência é necessário que a narração esteja unida ao corpo e é exatamente esse tipo de narração que é feito pelos personagens dos Contos Negreiros, pois suas experiências são contadas com os próprios corpos e através da memória do seu autor. As experiências do nordestino que muda para a cidade grande oferecem a Marcelino Freire uma série de acontecimentos e histórias que são transformadas em relatos do cotidiano dos personagens excluídos.

Os testemunhos dos personagens apresentam a vida do citadino, em particular daqueles que habitam no submundo da cidade, vivendo à margem, mas que ganham voz e corpo nas narrativas do autor pernambucano. Os sujeitos-testemunhas transmitem suas experiências fatídicas, entretanto, esses personagens não são mais importantes que os efeitos dos seus testemunhos ou que as mensagens transmitidas pelos seus relatos. Para Beatriz Sarlo: “Em suma, não se pode representar tudo o que a experiência foi para o sujeito, pois se trata de uma matéria prima em que o sujeito-testemunha é menos importante que os efeitos morais de seu discurso. Não é o sujeito que se restaura a si mesmo no testemunho do campo, mas é uma dimensão coletiva que, por ocasião e imperativo moral, se desprende do que o testemunho transmite”.

O testemunho na obra de Freire nasce de um anseio subjetivo, mas que expressa situações limites vivenciadas por um coletivo, revelando, portanto, o cenário que compõe a vida contemporânea nas cidades brasileiras, embora pareça distante e imperceptível à nossa sociedade. As experiências dos seus personagens-testemunhas são comunicadas a partir de uma linguagem que beira a oralidade, vinda das ruas para dentro do texto escrito. O relato testemunhal dos personagens-excluídos de Marcelino Freire nos permite enxergar com mais lucidez a realidade vivenciada por eles e que apontam para uma visão realista e literariamente ligada ao contemporâneo.

Um dos textos mais criativos do livro é "Linha de tiro", diálogo que se repete indefinidamente, como aquelas figuras dentro de figuras dentro de figuras, com as quais Magrite brincava com grande habilidade. A conversa é um assalto em que a mulher acha que o assaltante lhe quer vender chocolates. Serve para mostrar a infinidade de mal-entendidos que é esta nação, pois nem o assaltante se consegue fazer entender: diante da ameaça não há pânico, apenas estranhamento, como se cada um falasse uma língua diversa e nem mesmo o gestual tivesse um significado: "É um assalto! Não, obrigado, hoje não vou querer chocolates". É um texto rico para pensarmos a dificuldade histórica que o Brasil tem de elaborar um discurso constitutivo, em que todos falem um idioma comum em prol da construção de algo duradouro e consistente.

"Yamani", trata de um assunto quase ignorado na nossa prosa: o turismo sexual e a exploração de crianças prostituídas. Um turista, ao viajar pela Amazônia, deixa claro sua aversão ao Brasil e suas florestas, mas, ao mesmo tempo, narra seu desejo por uma criança indígena (prostituta), como é possível observar neste trecho:

“E os índios? O que tem os índios?

O que você achou dos índios do Brasil?

Fodam-se os índios do Brasil. Toquem fogo na floresta. Vão à merda (...) Só lembro de Yamami. Sempre gostei de crianças. Aqui é proibido. Yamami, meu tesouro perdido (...) Indiazinha típica dos seus trezes anos. As unhas pintadas, descalçadas. Tintas extintas na cara. 

Coisinha de árvore (...)”.

No conto, o estrangeiro revela seu descaso referente à natureza e ao povo brasileiro. Seu interesse pela indiazinha Yamami, de treze anos, é puramente sexual. A crítica à situação dos índios e à exploração de crianças no Brasil é direta: “Lá posso colocar Yamami no colo e ninguém me enche o saco. E ninguém fica me policiando. Governo me recriminando”.

Nota-se que o texto nos oferece a experiência vivida por um estrangeiro no Brasil, que viaja pela Amazônia e se encontra com “uma indiazinha”. O testemunho aqui se dá de duas formas: a primeira é a visão desinteressada e alienada que esse estrangeiro tem sobre o país, nada disposto a conhecer a cultura, as tradições, a floresta ou os problemas sociais da Amazônia. Por outro lado, esse mesmo personagem nos apresenta à realidade: o turismo sexual e a prostituição infantil que tomam conta das capitais do país e a marginalização dos nossos índios. A história, em princípio, surge como um simples relato de mais um turista vindo ao país, interessado nas “belezas tupiniquins”, mas que ganha uma dimensão maior ao denunciar uma situação-limite.

"Solar dos príncipes" traz um grupo de moradores de uma favela que resolve filmar o dia-a-dia dos moradores de um condomínio de luxo, um toque sarcástico para comentar a onda que tem sido engomadinhos com uma câmera na mão entrando nas favelas para registrar o ‘inusitado’ e ganhar prêmios internacionais em cima da miséria alheia. Aqui os papéis se invertem, mostrando a situação num avesso cheio de pequenas sutilezas. Já se inicia anunciando a que vem: “Quatro negros e uma negra pararam na frente deste prédio”. Trata-se de um grupo de amigos do Morro do Pavão que quer filmar um apartamento e fazer uma entrevista com um morador. Quando o porteiro, também negro, impede a entrada do grupo, o narrador desabafa: “A idéia foi minha, confesso. O pessoal vive subindo no morro para fazer filme. A gente abre as nossas portas, mostra as nossas panelas, merda”. O incômodo com o fato de permitir a entrada aos de fora, mas não ser recebido quando se desloca ao bairro rico, é manifestado pelo narrador. Ainda, denuncia-se a visão distorcida dos que documentam a periferia: “A gente não só ouve samba. Não só ouve bala”. Ao fim, o porteiro chama a polícia e, assim, a estreia dos quatro aspirantes cai na mesmice: novamente o filme tem tiro e sirene da viatura policial.

"Nação Zumbi", como já citado acima, é um dos pontos altos do livro conta a história de um homem preso por tentar vender o próprio rim, que afinal, era dele, podia fazer com o órgão o que lhe desse na telha. Há um diálogo com o personagem andarilho de "Cronicamente inviável", filme pouco visto e que tirante alguns exageros, poderia colocar na pauta do dia assuntos que urgem ser discutidos - e sem hipocrisia - pela nossa sociedade. O preconceito racial é retomado. O narrador tenta provar de que maneira a venda de seu rim o tiraria da situação de pobreza em que se encontra. No entanto, o tom de decepção de sua fala e a chegada dos policiais no fim da narrativa prenunciam o seu destino: “A polícia em minha porta, vindo pra cima de mim. Puta que pariu, que sufoco! De inveja, sei que vão encher meu pobre rim de soco”.

"Coração" é um texto mais longo, em que salta a veia narrativa de Freire. Seu tema é a homossexualidade.

Em “Totonha”, uma senhora discursa sobre os motivos de não querer aprender a escrever: não é mais moça, não tem importância alguma, não quer baixar a cabeça para imprimir seu nome em um pedaço de papel. Totonha argumenta: “O pobre só precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa eu, aqui no meu canto. Na boca do fogão é que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de sílaba?”.

Em “Trabalhadores do Brasil”, o autor refere-se aos homens e mulheres que se esforçam todos os dias em subempregos para sobreviver. As personagens desse canto recebem os nomes de alguns Orixás e de referências africanas e afro-brasileiras: Olorô-quê, Zumbi, Tição, Obatalá, Olorum, Ossonhe, Rainha Quelé, Sambongo. O narrador interpela diretamente o leitor com a pergunta ao final de cada parágrafo: “(...) tá me ouvindo bem?”. Sem nenhuma pontuação, o texto explode em uma crítica indignada aos “pré-conceitos” relacionados aos negros, mais direta no primeiro e nos últimos parágrafos: “(...) ninguém vive aqui com a bunda preta pra cima tá me ouvindo bem?” e “Hein seu branco safado? Ninguém aqui é escravo de ninguém”.

“Esquece” define o que é violência aos olhos de um excluído social, que representa tantos outros. Também marcado pela falta de pontuação, o conto é um “desafogo” diante das notícias freqüentes sobre o tema, veiculadas intensamente nos jornais e na televisão, através da lente das classes média e alta. Nesse conto, a vítima está do outro lado, quase sempre esquecida: “Violência é a gente receber tapa na cara e na bunda quando socam a gente naquela cela imunda cheia de gente e mais gente e mais gente e mais gente pensando como seria bom ter um carrão do ano e aquele relógio rolex mas isso fica para depois uma outra hora. Esquece”.

A visão estrangeira da personagem alemã em “Alemães vão à guerra” representa o senso comum: “Nosso dinheiro salvarria, porr exemplo, as negrrinhas do Haiti”. A personagem olha para o Haiti e para Salvador como lugares quentes e cheios de amor. Porém, é possível afirmar que a noção de “estrangeiro” ultrapassa a questão da fronteira e instala-se nas diferenças entre as classes sociais, o que aponta alguns olhares estrangeiros dentro de um país tão desigual como o Brasil.

Vaniclélia, personagem do conto homônimo, apanha do homem com quem vive e a quem chama de belzebu. Seu parâmetro de comparação são os “gringos”, que escolhem as mulheres no Calçadão de Boa Viagem: “Casar tinha futuro. Mesmo sabendo de umas que quebravam a cara. O gringo era covarde, levava pra ser escrava. Mas valia. Menos pior que essa vida de bosta arrependida”.

No conto "Curso Superior" um jovem expõe à mãe seu medo de entrar na faculdade e não conseguir concluir o curso, por diversos motivos: porque possui deficiência nas disciplinas, tem medo do preconceito, pode engravidar a loira gostosa da turma e não conseguir nenhum tipo de emprego, porque o policial vai olhá-lo de cara feia e ele vai fazer uma besteira. Seu fim seria a prisão, sem o privilégio da cela especial. Por meio desse discurso profético, o círculo vicioso do preconceito racial e social é tratado com ironia pelo autor.

O conto “Caderno de turismo” foge um pouco da temática do livro, mas não deixa de ser polêmico: “Zé, olhe bem defronte: que horizonte você vê, que horizonte? Pensa que é fácil colocar nossos pés em Orlando?” (p.69).

“Nossa rainha” e “Meu negro de estimação” tratam, essencialmente, do embranquecimento do negro. O conflito entre o desejo da menina do morro de ser a Xuxa e a situação de pobreza em que se encontra faz com que sua mãe reflita sobre as diferenças sociais entre sua filha e a Rainha dos Baixinhos. A mídia, novamente, constrói um modelo que reforça o preconceito racial e social. A menina pode vir a ser a Rainha da Bateria, sonho mais próximo à sua realidade. Xico Sá questiona se o conto “Meu negro de estimação” não seria uma fábula a Michael Jackson. O narrador refere-se a seu negro de estimação como um homem melhor do que era: “Meu homem agora é um homem melhor. Mora nos jardins, veste calça. Causa inveja por onde passa. Meu homem não tem para ninguém, só para mim. Meu homem se chama Benjamin”. É importante lembrar que, na gravação em CD que Marcelino Freire fez de seus Contos Negreiros, há uma mudança significativa nesse conto: substitui-se “homem” por “negro”.

Créditos: Sálvio Fernandes de Melo, Universidade Estadual de Londrina | Moacyr Godoy Moreira, mestrando em Literatura Brasileira, USP-SP | Flávia Merighi Valenciano, Mestra em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, FFLCH-USP

 

 

Aves de Arribação, de Antonio Sales

Aves de Arribação, romance publicado em forma de folhetim no antigo jornal "Correio da Manhã" e editado em livro em 1914, é a principal obra do escritor e poeta Antônio Sales. Romance impressionista que deu curso à linha do naturalismo de Eça de Queirós.

A obra é eclética, de conteúdo romântico, na preocupação que teve o filho amante de sua terra em não mostrá-la, como sempre acontecia com os naturalistas, e ainda hoje ocorre, com os chamados neorrealistas, pelo lado da tragédia: a seca, a fome, o banditismo, os tremendos descompassos sociais, a política revoltante e feudal; antes, pintando, a modos de Taunay de Inocência, 1872, um Ceará verde, na pacata normalidade subsequente a períodos chuvosos, de molde a revelar, com suas tintas, por assim dizer, de miniaturas, ora a alegria serena do campo, o encanto rústico do trabalho no eito, da natureza em sua equilibrada manifestação, ora na umidade da mata exalando o acre e variegado perfume, ora o bucolismo garretiano dos entardeceres, mas demorando-se o romancista, de preferência, salientamos, machadianamente, no retratar, incisivo, se bem que sutil, dos personagens, ora com ternuras de um Alencar, ora com o sentido caricatural de um Lima Barreto.

Aves de Arribação, como bom romance regional de contextura universal, foi composto com senso de observação, humor e muito amor, e sobretudo num estilo que não souberam ou não quiseram utilizar os escritores seus contemporâneos.

 

Enredo

O período histórico da narrativa encerra-se entre o final da Monarquia e a instauração da República. A cidade fictícia criada por Antônio Sales é Ipuçaba, interiorana e monótona, sem muitas novidades, a não ser pelas palestras a respeito de política ou dos fuxicos que, frequentemente, são ouvidos nas calçadas e que se relacionam, em sua maioria, às vidas alheias.

O romance inicia-se relatando a figura de Padre Serrão, um sacerdote inescrupuloso, egoísta, ganancioso que é responsável pelos paroquianos de Ipuçaba. Padre Serrão tinha uma biografia apagada e mediocremente edificante. Despido de fervor evangélico... tem uma sólida indiferença à conduta religiosa dos seus paroquianos, aos quais administrava os sacramentos já um tanto maquinalmente, apenas preocupado com os proventos que embolsava, e graças ao seu interesse pelo dinheiro, é muito amigo de João Ferreira, chefe do Partido Conservador, um homem desprovido de caráter, dono de um passado misterioso e que enriqueceu às custas do Coronel Herculano, chefe liberal, que possuía atitudes de homem sério e bom. Herculano fornece dinheiro a João Ferreira para que este se estabeleça com uma casa de comércio. À medida que enriquece, Ferreira despreza Herculano, trapaceando-o e fazendo com que o Coronel siga o rumo da falência, depois que este paga, por ser fiador, a falsa falência de João Ferreira. Descoberta a farsa, Ferreira é preso por aproximadamente um ano.

Saindo da cadeia, vai a Fortaleza e volta de lá com dinheiro e com o título de delegado de polícia. Passa a disputar a autoridade com Herculano e ainda é ajudado pelo vigário Serrão. João Ferreira exercia a dominação pelo terror. Tinha a melhor casa da cidade, aumentou seu comércio, montou uma fábrica de descaroçar algodão e comprara várias fazendas de criação de gado, juntamente com ele prosperou o Padre Serrão.

Com a chegada da República, os chefes de ambos os partidos foram postos de lado para dar lugar a novas figuras designadas pelo Centro Republicano de Fortaleza. Ferreira declara-se ainda monarquista, pois não seria a favor da "canalha república".

Padre Serrão morre e o seu sobrinho, Padre Balbino (José Serrão) assume. Balbino, sujeito pouco inteligente, não tinha vocação política e não ata laços com João Ferreira, aproximando-se de Chico Herculano. Balbino era querido entre os "pequenos" da cidade.

Era costume de alguns ipuçabenses reunirem-se em rodas para palestrar ao cair da tarde. O vigário se sentava à calçada para fumar seu charuto sob uma velha mungubeira, enquanto a roda se formava. Asclepíades Oreste de Aconcágua Pinto era o primeiro a chegar, tinha um ar soberbo de praciano só pelo fato de ter morado em Maranguape, perto da Capital e ter viajado ao Rio de Janeiro. Toda vez que dirigia a palavra a um nativo lançava mão do chavão: vocês, matutos.... Era compadre de Padre Balbino, pois este havia batizado-lhe os três primeiros filhos, quando ainda moravam em Maranguape e era padrinho de Florzinha, uma das filhas de Asclepíades. Chegava também à calçada o escrivão Casimiro, parceiro de gamão do Padre Balbino; professor Agrela, que tinha uma queda pela "pinga", pela "branca"; Lucas bodegueiro, entre outros. A casa do padre estava em reforma para recepcionar o sobrinho promotor que estava para chegar. O vigário morava com uma criada velha (Josefina), cozinheira, e um rapazinho (Bernardino) para mandados.

No dia 20 de fevereiro chega a Ipuçaba o promotor Alípio Flávio de Campos, sobrinho de Balbino e autor de "Pingentes", um livro de poemas prefaciado por Tobias Barreto. Certa vez, vindo ao Ceará, em visita ao tio e para vender alguns terrenos que seu pai lhe deixara, recebeu uma carta do tenente-coronel Francisco Herculano oferecendo-lhe a promotoria de Ipuçaba. Não aceitaria, mas uma carta do tio, que tanto lhe ajudara no período acadêmico, faria ele mudar de ideia, aceitando a possibilidade de ganhar os primeiros dinheiros de sua atividade, embora fosse contra a própria vontade.

Alípio era sábio apenas nas palavras, pois na faculdade de Direito não foi dos melhores, era muito boêmio e farreava demais, ele gozava à larga a mocidade que é como a flor do lótus, que em cem anos floresce apenas uma vez... e com esse dom da oratória polida, foi conquistando espaço nas melhores rodas de Recife, gente importante saldava-o, tinha prestígio. Por conta da vida fácil que levava, mesmo sendo sustentado pelo tio Balbino por algum tempo, foi-se arraigando em si um sentimento egoísta, onde "gozar e subir" eram os prazeres do moço. Até mesmo quando é convidado para participar de um grupo positivista diz não, pois um sujeito pagão habitado por uma alma nietzschiana não faria parte do puritanismo cívico do Senhor Comte.

O promotor chega a Ipuçaba montado no cavalo Sanhaçu, providenciado por Herculano com o único intuito de uma entrada triunfal na cidade e é recebido na casa de Asclepíades, para um almoço. O povo recebe o promotor: banda de música tocando a Marselhesa (Originalmente canto de guerra revolucionário e hino à liberdade, a Marselhesa impôs-se progressivamente como hino nacional francês. Hoje ela acompanha a maior parte das manifestações oficiais), hino provisório da República. O coletor apresenta sua mulher, D. Claudina, a filha mais velha, Florzinha e seu bando de filhos, ao todo eram dez filhos vivos e três mortos, a maioria de nomes esdrúxulos, que de imediato foram chacoteados por Alípio, generalizando-se as gargalhadas dos demais presentes.

No jantar de recepção, realizado na casa de Chico Herculano, Dr. Alípio, além de reencontrar Florzinha, a filha mais velha do coletor Asclepíades, conhece a professora Bilinha. Dança com as duas.

Ao contrário do que pensava, Alípio não encontrou tédio em Ipuçaba, mas sim rodas de novos amigos nas quais palestrava. Filava o café ao meio-dia na casa da professora Bilinha e todos os dias ia à casa do coletor Asclepíades. O coletor tinha por desejo casar Florzinha com o promotor e tudo concorria para isso, pois o promotor era sobrinho de Balbino que era padrinho de Florzinha. Porém, casamento não era a vontade de Alípio, que um dia, fazendo a barba, disse: A matutinha é chic ... excelente para encher os ócios de um exilado; mas quando ao casamento, livra! Fora a pieguice!.

O poeta ipuçabense, Matias de Araújo, faz uma visita a Alípio. Matias era muito rejeitado em sua terra, mas "na Fortaleza" ou em Sobral, seus versos eram bem aceitos. Na visita, o poeta fica perplexo com o realismo cru do autor de Pingentes, viu que não havia mais o lirismo que Alípio tinha escrito em versos, mas um homem soberbo que o apresentou a uma coleção falsificada das Sensuais de Rabelais (foi um escritor francês do Renascimento. Rabelais é o modelo perfeito do humanista do renascimento, que lutava com entusiasmo para esquecer a influência do pensamento da Idade Média, inspirando-se nos ideais filosóficos e da antiguidade clássica. Foi monge franciscano, depois beneditino. Posteriormente abandonou a ordem, mas não a batina. Imaginou a Abadia de Thélème onde a única regra seria "faça o que quiser". Foi autor de obras satíricas como Gargantua e Pantagruel, propôs a filosofia pantagruelista); Martins corou, pois se tratavam de assuntos mais modernos. Em certa altura da conversa, Alípio pede que Matias recite alguns versos do poema "Coração errante" ...daí Alípio deduz que Matias gosta de D. Bilinha, a professora. Em meio à conversa, Matias nega tal envolvimento, apesar da insistência de Alípio e dos versos que acabavam por entregar o poeta. A amizade entre Alípio e Matias se firma. No domingo, vão à tradicional Feira, onde pessoas de diversas localidades se reunem para ouvir a Missa, conviver e comerciar. A Feira é o lugar onde surgem das mais variadas conversas. O tenente Chico Herculano fazia compras e as mandava para Bilinha; Joca Neves é conhecido como o criador de conversas e apelidava a todos que passassem pela Feira.

Alípio recebe a alcunha de "Frango suro", devido às roupas justas que usava. E é da Feira que saiam os rumores dos romances, nos quais Alípio estaria namorando D. Bilinha e Florzinha, porém teria um concorrente, o tenente Chico Herculano, apaixonado pela professora. Diziam que Alípio daria o coração a uma, e o resto, à outra, mas ao fim de tudo não ficaria com ninguém, enganando-as. Depois Chico Herculano demitiria Alípio e a professora, choraria o fracasso amoroso junto à Asclepíades, romperiam com o Padre Balbino que não casaria ninguém, mas talvez tivesse que batizar algum enjeitadinho...

Depois da Feira, dirigem-se à casa do coletor, iam buscar Florzinha para ouvir à Missa, mas Matias se recusa a acompanhá-lo, pois não queria confirmar que o promotor também gostava de Florzinha.

Após a Missa, acontece um alvoroço na Feira, pessoas corriam desesperadamente e depois soube-se o que acontecera: Zé Pipoca, cangaceiro de João Ferreira, apareceu na Feira, desafiando as praças, enfrentou- os, mas foi mortalmente ferido, depois de ter ferido alguns soldados, caindo sobre a calçada de João Ferreira, que tenta colocá-lo para dentro de casa, mas é impedido pelos soldados. Zé Pipoca é preso.

Pela noite, depois do incidente, Alípio e Matias vão à casa de Bilinha, conversam sobre Literatura, conversa essa que não agrada D. Maria Lina, mãe da professora, que fica a conversar com D. Benvida e Venâncio, seus vizinhos muito retos de conduta e muitos queridos pela sociedade; graças aos seus caracteres serviçais e acolhedores. No intuito de arrefecer a palestra que havia entre Alípio, Matias e Bilinha, D. Benvida chama-os para uma patida de Víspora (o mesmo que bingo, loto, um jogo com cartões numerados). Alípio aceita de pronto, seguido de Matias e Bilinha, que aceitou sem entusiasmo. Desde então, passaram a jogar todas as noites.

Porém, D. Helena, esposa de Chico Herculano, adoece de uma pleurisia e Bilinha vai prestar-lhe serviços com as vagas noções que tinha de medicina caseira. Chico Herculano pede que ela fique cuidando da enferma. Bilinha aceita em consideração aos muitos benefícios que ele a fornecia.

D. Helena não confiava em Bilinha, mas com o passar do tempo aceitou-a e nutriu por ela uma grande amizade. Todas as noites, Herculano ia conversar com elas no quarto e, entre essas conversas, o tenente conta que Alípio estava sendo ameaçado de levar uma surra do mandante do incidente na Feira, o João Ferreira. Bilinha se revolta com a situação e revela o quanto odeia estar naquela cidade repleta de caluniadores.

Durante a noite, Bilinha pensa em Alípio e o quanto está segura de que não se renderá aos encantos do bacharel, sua vontade é de apenas "flertar". Ela que estava acostumada em só se relacionar com parceiros ruins, agora lhe surgira um novo e mais perigoso exemplar dos gênios maus. Bilinha pensa em seu passado obscuro, não sabe de sua origem, e pensa na mãe, que tinha um passado sujo por ter se entregado a homens, por ter sido desonrada e não ter sido mulher direita. Por esses motivos, a professora sente ódio e desprezo pela mãe, D. Maria Lina.

D. Helena melhora e a casa se enche de visitas, Bilinha e Florzinha conversam e Florzinha demonstra o quanto se sente incomodada com as histórias que a cercam e também pelo possível relacionamento entre a professora e o promotor. Florzinha também fala do seu desprezo pela cidade e do quanto almeja sair dela. Sendo essa a última noite de Bilinha na casa de Herculano, esse aparece a noite na janela do quarto da professora. Bilinha se assusta, pergunta o que Herculando quer e esse tenta agarrá-la. Bilinha consegue fechar a janela e depois chorar desolada por ter mais um desgraçado em seu caminho.

Certa vez que Florzinha fazia crochê no quintal, a ex-escrava Mariana comenta sobre o que estão falando da menina e do promotor, Florzinha se desespera e encontra amparo nos braços da mãe. Asclepíades não se importava com o sofrer da filha, e sim com a vontade de casá-la com o bacharel. Florzinha passa a evitar a presença do promotor, fato que desagrada profundamente o coletor.

Mas uma oportunidade alegra Florzinha, iria para a Varjota, fazenda do tio, o capitão Galdino de Moura, lá ela estaria longe de Alípio e poderia esfriar a cabeça e colocar as idéias no lugar. Depois de uma tanto esperar, chega o dia de viajar e Florzinha vai para a Varjota, ficar do lado da melhor amiga, a prima Luizinha. Morava também na fazenda Cazuza, o outro filho do capitão e seu auxiliar na labuta.

Depois da partida de Florzinha, o jogo de víspora retornara à casa de Bilinha, mas agora com a presença vigilante e desagradável do Coronel Herculano, que fazia com que o jogo logo perdesse o vigor e os participantes se dispersassem. Era objetivo de Herculano atrapalhar a convivência entre Alípio e Bilinha.

Certo dia, Herculano vai à casa de Alípio e, por chacota, o promotor diz que irá casar com Bilinha, Herculano sai da casa do promotor irritadiço.

Numa noite em que o víspora começara mais cedo, uma forte chuva cai sobre Ipuçaba e os jogadores dirigem-se às suas casas, restando apenas Alípio, a professora e D. Maria Lina, que se retira para o quarto e os deixa sozinhos na sala, depois e um ínterim de silêncio, D Maria Lina vai olhar o que se sucede com a filha e percebe que ela e o promotor tinham se rendido à tentação e mantiveram relação sexual na escolinha, que ficava ao lado da casa de Bilinha. Desde então D. Maria Lina se felicita de tal fato, pois agora Bilinha não poderia mais tratá-la com tanto desprezo, pois tinha decido ao mesmo patarmar da mãe, o sangue a pregou essa peça, o sangue das mulheres que se perdem na vida, que se desencaminham por causa de homens que as galanteiam, as desonram e nada mais.

Chega a notícia de mudanças no governo, uma vez que o generalíssimo (Deodoro da Fonseca) demitiu o primeiro ministério e chamou Barão de Lucena (ex-monarquista) para organizar um segundo ministério, fato que poderia mudar os rumos da política em Ipuçaba assim como em outras partes do Brasil, uma vez que causou cisão entre os responsáveis pelo poder na República, partidários desgostosos com a escolha de Deodoro passam a apoiar Rui Barbosa. O poder, em Ipuçaba, poderia até passar às mãos de João Ferreira, Lucena era amigo pessoal de Alípio e esse se mostrava favorável a Deodoro.

Alípio adoece gravemente, "uma constipação feroz", uma gripe forte, mal de família, o derruba, deixa-o acamado. Casimiro procura por Pinheiro, um metido a médico caseiro e ao mesmo tempo curandeiro. Alípio é traslado até a Varjota, onde receberá toda a assistência do capitão Galdino e de sua esposa, D. Maroca. O bacharel passa bom tempo debilitado, mas as suas feições de frágil, chamam a atenção de Florzinha. A enfermidade fez com que Alípio pensasse na sua fragilidade e do quanto dependeu daqueles “matutos” que se não fossem eles, sua vida teria acabado. A partir daí, demonstra sinais de melhora, não só de saúde, mas também de alguns conceitos em relação à vida. Quem cuidava de Alípio era Cazuza, irmão de Luizinha. Matias, que estava numa fazenda próxima à de Galdino, foi visitar Alípio. Asclepíades não gostava de Alípio, pois pensava que esse gostava de sua filha e poderia ser um empecilho no casamento de Florzinha. No entanto, Matias gostava de Luizinha, a prima de florzinha e era correspondido, ao saber disso, Asclepíades passou a apoiar essa união que ele não desejava para sua filha. Galdino e Maroca gostavam de Matias, fato que desagradava profundamente o coletor.

Casimiro chega com notícias de Ipuçaba, apareceu por lá um vendedor de cavalos e dentista nas horas vagas, seu nome era Florêncio Cavalcanti de Albuquerque. Capitão Galdino se interessa por essa notícia, pois tinha uns animais para passar no cobre. Alípio conhece Florêncio e o chama de Florencanti, como lhe chamavam no Recife. Era o herói da Florenciada, um poema que fizeram para ele. Florêncio havia sido traído pela primeira esposa, ela o traíra numa república de estudantes, porém quando saiu de lá doença, Florêncio cuida dela até que ela morre, um ato nobre.

Alípio melhora definitivamente e passa a conviver melhor com os outros da casa. Formam-se rodas no alpendre da casa para palestras diversas, Florzinha e Alípio sempre trocam olhares, mas o promotor não esquece D. Bilinha.

Alípio pensava que todas as circunstâncias o levaram a estar ali, cercado por uma família e, devido a tantas obrigações que ele os devia, sentia-se quase na obrigação de pedir a mão de Florzinha para o casório. Ele só não aceitava a ideia de se casar com uma matutinha daquelas que mal sabia dançar, ou se portar nos grandes salões que ela viria a conhecer quando esposa dele, era uma perda de tempo, um atraso, uma dose maldição.

Certa manhã, Alípio decide caçar, e sai pelas matas da Varjota em busca do que ele prometer a Galdino, ser o almoço do dia. Alípio acertou alguns jacus e depois, quando voltava para casa, ouviu passos quebrando os frágeis galhos na rama, e depois... ouviu risadas. Deparando-se com uma espécie de cabana, escondera-se para não ser pego em flagrante e mirou por uma fresta. O que viu foi de fazer o coração acelerar, era Luizinha e Florzinha, talvez fossem tomar banho no rio e a ideia enchia Alípio de um prazer imódico. Luizinha começa a se despir e encoraja Florzinha a fazer o mesmo, quando Alípio contempla a imagem da beleza nua das duas moças fica perplexo, espera que elas se afastem e volta para casa. Porém, na volta encontra o garoto, o Neco, que estava sentado um pouco distante do promotor e que fazia o mesmo que ele, olhava as moças tomarem banho. Alípio fez ameaças a Neco caso ele revelasse alguma coisa a alguém. Alípio se aproxima mais ainda de Florzinha e Matias se enamora mais intensamente por Luizinha. A partir de então, Cazuza começa a se afastar de todos, porque tinha paixão pela prima, Florzinha, e a presença do promotor passara a desagradá-lo.

Alípio parte com Asclepíades para Ipuçaba, na promessa de que assim que voltasse da Capital casaria com Florzinha. No julgamento do Zé Pipoca, acontece um fato que determina o fracasso e a falta de expressão política que se encerrava Herculano: Zé Pipoca, defendido pelo advogado Francisco Mirabeau, de Iguatu, é libertado por nove votos contra três.

Florêncio passa a se relacionar intensamente com Bilinha, vai sempre a casa dela acompanhado do escrivão Casimiro. Benvinda vê o casamento com bons olhos. Porém Bilinha demonstra insegurança, por não conseguir se livrar de Alípio, mesmo em seus pensamentos. No entanto, Alípio trama de visitá-la para avisar da viajem a capital. Bilinha chora muito e diz a Alípio o quanto ela se sentia mal por ter sido abandonada, por ter sido usada. Alípio inventa uma história para Benvinda, dizendo-a que Bilinha era viúva, entre outras coisas, diz que tem outros traumas de Bilinha que ela não quer sequer lembrá-los e Benvida fica perplexa. Alípio pede que Benvinda o ajude a fazer o casamento de Bilinha e Florencanti. Essa aceita desde que Alípio garanta que não está mentindo.

Alípio, antes de partir para capital avisa a Asclepíades que na volta pedirá a mão de Florzinha. Florzinha volta para Ipuçaba e percebe que ainda continua sendo espionada pela população, ela era agora a noiva do promotor, que ninguém sabia se ele iria mesmo pedi-la em casamento, era esperar pra ver. Florzinha tem uma conversa séria com a mãe, depois que essa lhe conta da carta que Galdino recebera quando chegou a Ipuçaba. D. Maroca escrevia dizendo que Cazuza queria ir embora para a Amazônia, trabalhar nos seringais, pois se sentia frustrado e só. Galdino ratificou a sua vontade de ter casado seu filho com florzinha, mas o desejo fútil de Asclepíades atrapalhou tudo. Não deixaria seu filho morrer nas Amazônias. D. Claudina apoia Florzinha em qualquer decisão que ela tomar, mesmo que seja contrária a do pai, mais florzinha não deseja contrariá-lo, apesar de dizer que não se importa caso Alípio não retornasse da capital, entraria para o Colégio e seria freira, sua mãe se opõe a essa ideia veementemente.

Galdino volta para casar Luizinha e Matias e também porque conseguira esposa para Cazuza, um alívio para Florzinha, que se sentia culpada pelo sofrimento do primo. D. Joaninha, a mãe de Matias vai fazer visita a Florzinha, mas a visita, na verdade, era para lembrar ao Asclepíades de que o capitão aceitou que Matias casasse com Luizinha. Agora o “troca-tintas” desprezado por Asclepíades se casaria com uma moça e família bastarda.

Bilinha pede que Florêncio consiga a transferência dela para Fortaleza e de lá ela partiria para Recife onde se encontraria com ele. Assim foi feito, Florencanti consegue a transferência da professora e vai antes dela para recife, onde ficará esperando-a. Alípio viaja para Fortaleza, mas antes toca as mãos de Florzinha e essa sente-se desejada por ele, apesar de sentir vergonha no momento, gosta da sensação e sente-se amada por ele.

Numa noite em que mulheres se reuniam na calçada de D. Claudina para conversar, uma delas diz uma frase que faz Florzinha despertar: a professora está de viagem. Florzinha associou, pela primeira vez, as duas viagens e a idéias de eles poderem ter fugido para se encontrar por lá mexeu muito com ela... ela ficou confusa e receosa. Florzinha continuava a esperar, porque continuava a viver.

Os dias passam se arrastando e Florzinha vai percebendo que realmente fora enganada, bem como muitos dos que a cercavam, talvez a frustração maior de ter perdido a vida graças à vontade do pai. Poderia ter encontrado o amor de sua vida, mas não. Aquele que olhara nos seus olhos dizendo que voltaria fugiu e eles dois, o noivo e a amante fugiram, como aves de arribação, tinham-se ido em busca de clima mais ameno ... e ela ficara ali, no fundo daquele triste lar povoado dos espectros dos seus sonhos, para ser um dia conduzida, mutilada d’alma, inútil para a vida, à cela fria de um claustro (mostrando um provável final como freira, mau grado da mãe, e de muita gente, inclusive de Asclepíades Oreste de Aconcágua Pinto) como uma inválida do amor...

É importante perceber que o final do livro fica em aberto. O autor não esclarece o destino de Alípio e Bilinha, se eles ficaram juntos ou não.

 

 

"Para Viver um Grande Amor: Crônicas e Poemas" de Vinicius de Moraes

Amor. Palavra que gerou todas as coisas.

De tão bela muitos se inspiraram nela e escreveram milhares de outras palavras; alguns morreram por ela. De tão forte que é alguns nunca se permitiram sentir, outros tiveram medo por a mesma não ter um significado preciso, apenas suposições.

“Para Viver um Grande Amor: Crônicas e Poemas” (Companhia das Letras, 1991), de Vinicius de Moraes, retrata o amor pela vida, pela “Bem-Amada”, à poesia, à música, o amor de amigos, amor à profissão, ao olhar do Cronista.

Vinicius de Moraes revelou, com excelência, a maestria de escrever e retratar o cotidiano em sua obra, com uma linguagem direta, envolvente... Sem deixar que a mesma torna-se menos lírica e trabalhada.

“Para viver um grande amor” é considerado o primeiro livro em prosa do autor, sendo que, o livro alterna poesias e crônicas escolhidas pelo próprio Vinicius de Moraes para serem publicadas. Analisando como um todo, percebemos uma evolução, talvez intencional, nos temas e profundidade dos mesmos, e da própria linguagem o que agradará leitores iniciantes aos mais experientes.

O livro começa com uma exortação ao exercício da crônica. Certa vez um “escritor universitário” elogiou escritores que procuravam iniciar as suas obras com aquela frase, que te surpreende; Vinicius nos traz a seguinte Frase: “Escrever prosa é uma arte ingrata”. Para amantes da escrita e da leitura em prosa, como eu, tal frase é uma surpresa e uma revelação.

A partir de então começa a alternância de poesia e crônicas.

As poesias são de infinita grandeza, por mais simples e curtas que sejam algumas, todas tem um alto grau de significados, nunca verás o mesmo significado duas vezes. Como se estuda na Teoria Literária: contém uma linguagem carregada de signos multivocos.

Destaco algumas que, particularmente, emocionaram e me fizeram refletir, e mais: deram-me motivos para me aventurar cada vez mais no mundo da poesia. São elas: “O Poeta aprendiz”, “Carta aos puros”, “O Poeta”, “O Verbo no infinito” e “O Poeta e a Rosa”, na qual tomo a liberdade de apresenta-la logo abaixo:

A Crônica é uma paixão antiga, e para aqueles que ainda não buscaram também se aventurar no âmbito da crônica, aconselho a buscar este livro.

Crônicas, não importa de que época seja sempre vamos encontrar vestígios da atualidade em cada uma delas. Tomo por exemplo às crônicas “Separação” e “Namorados Públicos”, que foram escritas por Vinicius de Moraes entre os anos de 1957-1960, e lendo hoje são tão atuais quando naquela época. Ambas retratam o namoro nas praças, o jeito de namorar, o amor platônico, a sociedade... Em “Namorados Públicos” o autor chega a pedir à sociedade uma “Trégua aos namorados”.

Há neste livro abordagens úteis ao estudo da crônica e da poesia. A Crônica “Sobre Poesia” nos faz refletir (falo aqui, também como estudante de letras) e nos leva a uma possível definição do que é a poesia. Vinicius definiu o poeta como ‘estruturador de línguas’ e logo de ‘civilizações’

E não se pode esquecer se mencionar a crônica que dar nome ao livro. A crônica “Para viver um grande amor”, uma das mais lindas definições de amor já escrita, e traz verdadeiros ensinamentos, para alguns parecerá óbvio, mas são lindos e concretos. Dizer, por exemplo, que ‘não existe amor sem fieldade’, que para viver um grande amor prefeito ‘não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito – peito de remador’, são fatos inquestionáveis.

Ao final desta edição de 1991, da editora Companhia das letras, o livro traz crônicas inéditas do autor.

"Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor." (Vinicius de Moraes)

 

 

Odes de Ricardo Reis (Fernando Pessoa)

O livro em questão é de um dos heterônimos de Pessoa, Ricardo Reis. (Ao contrário dos pseudônimos - vários nomes para uma mesma personalidade - os heterônimos constituem várias pessoas que habitam um único poeta. Cada um deles tem a sua própria biografia, sua temática poética singular e seu estilo específico.). Aí vai um trechinho da sua biografia:

Ricardo Reis nasceu em 1887 no Porto e estudou em um colégio de jesuítas. Foi médico e fixou residência no Brasil desde 1919. Reis é o heterônimo neoclássico, da métrica perfeita, da temática pagã e da consciência da passagem rápida do tempo. Entre seus temas recorrentes podemos citar o do sofrimento diante dos mistérios da vida e da morte e as relações com as suas musas, Lídia, Neera e Cloe. Segundo a avaliação de Pessoa, “Reis escreve melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado”.

Este volume apresenta ao leitor todas as odes atribuídas a Reis. Também estão incluídos no livro versos e poemas anotados com pequenas alterações feitas pelo poeta, chamados de variantes, inseridos como notas de rodapé. De acordo com a biografia criada pelo próprio Pessoa, Ricardo Reis nasceu em 1887 no Porto e estudou em um colégio de jesuítas. Foi médico e fixou residência no Brasil desde 1919. Reis é o heterônimo neoclássico, da métrica perfeita, da temática pagã e da consciência da passagem rápida do tempo. Entre seus temas recorrentes podemos citar o do sofrimento diante dos mistérios da vida e da morte e as relações com as suas musas, Lídia, Neera e Cloe. Segundo a avaliação de Pessoa, “Reis escreve melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado”. 

Antes de tudo, é importante se esclarecer no que se constitui uma ode. É um modelo clássico de composição poética oriundo da Grécia Antiga. Tipo de texto cantado e acompanhado pela lira (instrumento musical). Possuidor de estrofes semelhantes pela métrica estabelecida, geralmente se compõe de quatro versos em cada estrofe, porém, não é regra geral.

"Poema lírico de forma complexa e variável, a ode caracteriza-se pelo tom elevado e sublime com que trata determinado assunto. As literaturas ocidentais modernas aproveitaram sobretudo, do ponto de vista da forma, a ode composta por três unidades estróficas, correspondentes, no desenvolvimento da idéia do poema, à estrofe, à antístrofe (cantada pelo coro, originalmente) e ao epodo (conclusão do poema). A ode comportava uma série de esquemas métricos e rítmicos, de acordo com os quais era classificada."

Obra e Estilo

As primeiras obras de Ricardo Reis foram publicadas na revista Athena (fundada por Pessoa) em 1924. Algum tempo depois foram publicadas mais oito odes na revista Presença. O restante dos poemas e prosas são de publicação póstuma.

Como Fernando Pessoa mesmo disse, Reis é o heterônimo neoclássico, da métrica perfeita, da temática pagã e da consciência da passagem rápida do tempo. Dessa forma, se acomete de algumas características em comum com Alberto Caeiro, outro heterônimo de Pessoa (bio aqui).

Com grande uso de hipérbato (figura de linguagem que consiste em trocar a ordem direta dos termos da oração (sujeito, verbo, complementos, adjuntos) ou de nomes e seus determinantes.), Reis também se mune de vocabulário extremamente erudito, preciso e com manifestação imperativa demonstrando atitude filosófica.

Podemos encontrar lemas árcades inclusos em sua obra, a exemplo do Carpe Diem(Aproveite o Dia, aproveite com intensidade o presente) e Aurea Mediocritas (Mediocridade Áurea, ou seja, valorizar as coisas cotidianas). Além disso, Reis procura aceitar calmamente o destino e opta por não viver grandes emoções, sendo uma espécie de disciplina. Faz renúncia da vida através da recusa do amor e da consciência da inutilidade do esforço de mudança, já que o destino “é força superior ao homem”.  Recusa o amor para evitar desilusões de maneira que nada modifique a serenidade e razão já estabelecidas, uma vez que tudo na vida tem um fim. 

Trechos para compartilhar:

Pequeno é o espaço que de nós separa

O que havemos de ser quando morrermos.

Não conhecemos quem será o morto

        De hoje que então acaba.

Só o passado, comum a nós e a ele,

Será indício de que a nossa alma

Persiste e como antiga ama, conta

        Histórias esquecidas…

Se pudéssemos pôr o pensamento

Com esta visão adentro de ideia

Que havemos de ter naquela hora,

        Estranhos olharíamos

O que somos, cuidando ver um outro

E o espaço temporal que hoje habitamos

Luz onde nossa alma nasceu

        Alheia antes de a termos.

 p.94

(31/1/1922)

 

Pequenos fragmentos da contra-capa:

Segue o teu destino,

Rega as tuas plantas,

Ama as tuas rosas.

O resto é a sombra

De árvores alheias.

 

A realidade

Sempre é maios ou menos

Do que nós queremos.

Só nós somos sempre

Iguais a nós própios.

 

[...]

 

Vê de longe a vida.

Nunca a interrogues.

Ela nada pode

Dizer-te. A resposta

Está além dos deuses.

 

Mas serenamente

Imita o Olimpo

No teu coração.

Os deuses são deuses

Porque não se pensam.

 

E como último legado do mestre, deixo breve texto dito por ele:

"Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: ‘Navegar é preciso, viver não é preciso’.

Quero pra mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou:Viver não é necessário; o que é necessário é criar.

Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.

Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa raça."

 

 

Os segredos que restaram

Nos contos de Faca, Ronaldo Correia de Brito concilia a tradição regionalista com uma noção de fatalidade que não conhece tempo nem lugar.

É aventura temerária aquela do escritor que ainda hoje se atreve a embrenhar-se pelo sertão nordestino seguindo a trilha aberta pela literatura regionalista brasileira. Não porque seja ele território desconhecido, mas justamente pela razão contrária: a antiga terra ignota dos modernistas da primeira metade do século 20 já não parece guardar tantos mistérios assim. Já explorado em dúzias de obras, esse universo de geografia inclemente e tradições arcaicas carrega o risco de ser reproduzido segundo velhas e gastas fórmulas, obedecendo a um esquema gravado no imaginário coletivo. Que segredos o fim do mundo pode ainda guardar?

Faca, coletânea de contos do cearense Ronaldo Correia de Brito, é um dos livros que mais se aproximaram de responder a essa pergunta recentemente. E o faz de um modo bastante curioso: na superfície, não há nada nele que surpreenda. Ao longo de suas 11 narrativas, surgem as mesmas situações e personagens que a tradição literária tornou familiares: amores abismados até a morte, honra, traições, emboscadas, vendetas, valentões, bandidos e mulheres virilizadas em um mundo hostil e duro. Não falta nem mesmo, aqui e ali, a musicalidade daquela linguagem de coloquialismos estranhos, mas exatos na expressão de angústias e perigos, com seus “rastros de gemidos e desfeitas”, “dolorosos aboios” e “cerrações de unha-de-gato”.

Contudo, em cada uma dessas características conhecidas, Brito insere, com o cuidado de quem parece saber que nem tudo pode ser dito, os sinais que apontam para uma realidade que, não importa o quanto se pense decifrada, segue um ritmo que nos escapa. Nos enredos de Faca, predomina uma noção de atemporalidade que não é apenas aquela que se entrevê na persistência dos valores de um passado longínquo e na sucessão das horas mortas: ela está, sobretudo, numa espécie de fatalidade essencial, que conduz tudo e a todos ao desaparecimento, ao esquecimento, à morte.

É aí que o escritor encontra a sua singularidade. Em Faca, Brito retorna, por exemplo, a um dos arquétipos mais antigos da tragédia: a de que o mal surge no seio da própria família, que, ao fim, é encaminhada para a extinção. Em Redemunho, um dos melhores contos do livro, isso surge exemplarmente no confronto entre filho e mãe, os últimos remanescentes de uma família aristocrática: ele, traído pelo irmão; ela, cúmplice do crime. Em Inácia Leandro, o embate se dá entre irmão e irmã; em Cícera Candóia, entre filha contra a mãe, numa família marcada pelo parricídio. Mesmo em Faca, Mentira de Amor e A Escolha, em que os crimes envolvem, em circunstâncias as mais diversas, marido e mulher, as razões nunca são passionais no sentido habitual: há algo mais perverso – como um destino que não pode ser evitado.

De certo modo, o mundo arcaico de Faca funciona como uma espécie de pretexto para voltar a perscrutar aqueles segredos que são próprios do ser humano e independem de época ou de lugar. A terra ignota da literatura regionalista é, na verdade, o território dos terrores mais íntimos e antigos do homem – é quando, para se usar uma expressão consagrada, o regional se transforma em universal. Se um escritor como Ronaldo Correia de Brito consegue ao menos se aproximar dessa humanidade primitiva, escapando das armadilhas das fórmulas gastas, seu papel está cumprido. Mesmo que, no fundo, suas histórias sejam sempre tragicamente conhecidas.

BRAVO! © Almir de Freitas

 

 

O silêncio laminado no casulo (poesia)

‘O silêncio laminado no casulo (poesia)” é a quarta publicação desse talentoso poeta cearense, o professor, poeta, cordelista e compositor Cleilson Pereira Ribeiro. E é uma obra de espírito genuinamente cariirense e de estilo modernista, mais uma vez este jovem vem mostrar sua sensibilidade, sua inquietude e sua veia poética através da composição de versos que reflete sua leitura de mundo.

Ele veio ao mundo em 1973, em Orós, mas fez de Barro sua morada como o João que nos dá lições de chuvas. Professor por acidente, alumiou-se lamparinoso na incandescência do verso. Estava escrito desde os cafundós das eras: serás poeta por cima de pau e pedra. Cleilson Ribeiro mira dos alpendres telúricos, varizes e rugas da terra ressequida e fareja o cheiro feudal de uma saudade incendiária. Depois, num soluço banido de seu estro, cavalga as ossaturas das cacimbas em busca de uma água sem insígnia. Ser poeta é sua sina, o resto é presságio. É o poema que o põe em descaminho, instaurando um lugarejo de fogo, gravado no sal da palavra, verdadeiro afago de chicotes. Por isso foi, com devidas precauções, que em 2004 me hospedei nas páginas auríferas do seu "Do olhar mirando para trás". Diante de tanta fartura poética, pensei que o vate havia se esvaziado por ali, pelo resto dos dias. Mas agora vem ele sertânico, incendiário e incandescente, desembeiçando doidices metafóricas e botando as coisas para enxergá-lo no vazio.

Poeta polidor de verbos, amola as ferramentas imagéticas e sai plantando atrevimentos poéticos. Esse agora "O silêncio laminado no casulo" ganhou o prêmio Caetano Ximenes Aragão, mas merecia ganhar todos os prêmios que por aqui se distribuem como o melhor livro de poemas de 2011. Acontece que o rapaz vive de tocaia lá no Barro do Major Zé Inácio, contando os calos que a mão lhe oferece, e cantando litanias à desolação e ao desassossego. Como seu avô, vive "ansioso por ver pingar do ventre das nuvens / um certo rio acantoado, / que se guarda no coração das chuvas". Dessas chuvas brotam caudalosos rios de palavras. O que canta esse moço? A vida que se esconde nas canções descabeladas e esquecidas sob a fuligem ancestral dos caminhos. Canta encantamentos, com seu olhar feito de mundo. Humaniza coisas predestinadas ao esquecimento de seus códices. Pode ser uma procissão de poeirentos olhares, uma tardezinha rejeitada pelo dia ou uma novena pesarosa cuja ladainha são resmungos de coisas perdidas. Por isso que, telúrico, esbanja conhecimentos do chão que o viu brotar, desde o nascimento das chuvas aos estertores da tarde que o sol salgou com sua língua de fogo. Por conhecer seu chão, seu adubo, é que ele canta a agrestividade da falta de chuva, que inferniza a paciência dos mais velhos, rói a esperança, enquanto ciranda o desespero, estilhaçando a paisagem com as lâminas da ventania. Quando termina o dia de fogo vertical, "a noite caminha sob a salmoura das pedras", assobiando palavras desusadas. Para enfrentar essa fornalha é preciso o couro curtido, herdado das gerações pretéritas, e a palavra poética feito brisa de outubro. É preciso adormecer entre suores e acordes de palavras que brotam de "uma voz antiga retendo dores num ladrilho". Cleilson Ribeiro semeia escamas que transformam esquecimentos em lembranças, desesperos em alvíssaras. Essa mania de aguar gravetos que se tornam plantas é milagre que só poetas transfiguram, derretendo resíduos de linguagens.

Cleilson Ribeiro transforma a morte em passarinho. Depois alimenta revoadas com imagens barrocas cravadas em adjetivos inusitados e locuções provocadoras. É então que brotam: "sorrisos enferrujados", "lembranças idosas", "palavras esfaqueadas", "résteas ensanguentadas", "olho exausto", "aboio extenuado", "vilarejos desesperançados", "horizontes engaiolados" e "dias destroçados". Insatisfeito com essa adjetivação que é bem mais ampla, ele parte para o uso das locuções adjetivas ainda mais arrepiantes. Então vão aparecendo: "varizes da terra", "ossaturas das cacimbas", "sal da palavra", "afago dos chicotes", "ventre das nuvens", "fio de vento", "pólen de deus", "cinzas da eternidade", "latifúndios dos retratos" e "pupilas do tempo".