Reajustes dos planos coletivos não são regulados pela ANS. Mas pesquisa inédita do Idec revela que, mesmo assim, a Justiça tem considerado abusivos os percentuais impostos pelas operadoras.
Conversa com um corretor de seguros. Corretor: "Esse plano de saúde tem uma entidade que se chama Simpi [Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo], que me dá o direito de colocar pessoas até 58 anos. Essa pessoa vai se filiar, pagando uma taxa anual de R$ 30, e aí ela consegue o plano de saúde. É a única maneira de se ter esse plano".
Consumidor: "Eu tenho de me filiar a um sindicato [empresarial] pra poder ter o plano de saúde, é isso?".
Corretor: "Exatamente. A não ser que você abra um CNPJ [Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica] e tenha três pessoas para colocar no contrato".
O surrealista diálogo acima mostra a precariedade em que se encontra boa parte do sistema privado de saúde. Ele foi registrado por esta reportagem, que se passou por um consumidor para orçar preços de planos de saúde. A situação é preocupante: as operadoras de saúde vêm restringindo a oferta dos planos individuais ou familiares e, por outro lado, estão estimulando a venda de planos coletivos para pessoas físicas. Isso porque a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) estipula teto anual de reajuste para os contratos individuais. Já os reajustes dos contratos coletivos não são submetidos a essa regulação. E os planos individuais não podem ser rescindidos unilateralmente pela operadora, ao contrário dos coletivos. Quando um contrato coletivo deixar de ser vantajoso à operadora, ela pode "liquidar a fatura" e expurgar os consumidores.
Fica fácil entender o interesse de se fomentar as vendas dos coletivos e empacar as dos individuais — empresas como Sul América e Bradesco Seguros não comercializam mais os planos individuais em São Paulo. Para a advogada do Idec Joana Cruz, é uma estratégia de 'falsa coletivização'. "Os consumidores, sob a ilusão de pagarem mais barato, são estimulados a abrir CNPJ ou ingressar em determinada associação ou sindicato, utilizando qualquer CNPJ para conseguir um contrato coletivo. Essa foi a forma encontrada pelas empresas de planos de saúde para fugir da legislação e da fiscalização da ANS", diz. A medonha proposta feita pelo corretor de seguros, que sugeriu a filiação a um sindicato supostamente patronal ou a 'aquisição' de um CNPJ, é prova disso.
Dados da própria ANS revelam que, entre os cerca de 48 milhões de consumidores de planos de saúde, 37 milhões (ou 77%) são clientes de planos coletivos. Ou seja, a maioria dos beneficiários está sujeita a reajustes abusivos e rescisão unilateral. O mesmo corretor que induziu o consumidor a se vincular a um sindicato industrial deu a sentença: "A tendência do mercado é deixar de fazer planos individuais e passar a fazer apenas por adesão ou por plano empresarial, por meio de um CNPJ. É uma tendência inclusive dos norte-americanos". E acrescentou que 'arranjar' CNPJ é simples: "A facilidade de você ter um CNPJ é grande; por exemplo, pelo 'portal do empreendedor' dá pra se tornar um microempreendedor individual, e aí tirar o CNPJ", disse. Igualmente fácil seria se filiar ao tal do Simpi: "Eu mesmo faria [o trâmite de filiação]. A gente se encontra, eu levo uma documentação que você vai preencher, tudo direitinho. Você só vai assinar e eu vou mandar pro Simpi. É tudo muito claro, é tudo muito legal, não tem nada na ilegalidade, não", afirmou ele.
Há dois tipos de planos coletivos: os empresariais (o contrato é celebrado entre a empresa em que o consumidor trabalha e o plano de saúde) e os contratos de adesão (por meio de organização, como sindicatos, associações e entidades de classe).
COMO FOI FEITA A PESQUISA - Foram consultados os sites do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e dos Tribunais de Justiça dos seguintes estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Bahia, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Alagoas, Paraná e Distrito Federal de 7/04/2005 a 18/4/2013. A busca foi feita no campo de pesquisa de jurisprudência e com as palavras: "plano de saúde coletivo reajuste". Foram consideradas apenas as decisões que se relacionavam a reajuste anual e/ou por sinistralidade. Segundo esses critérios, 118 decisões foram consideradas. O Idec se ateve aos seguintes fatores: valor do reajuste, decisão do magistrado (afastamento ou manutenção do reajuste usado pela operadora) e tipo de contratação do plano (empresarial, associação ou sindicato). Além disso, com base na lei de acesso à informação, o Idec solicitou à ANS o envio de uma série de dados, muitos deles relacionados aos índices de reajuste praticados no mercado de planos coletivos. Até o fechamento desta edição, a ANS não havia fornecido as informações.