Senhor ex-presidente FHC.
A exemplo de um país inteiro, pasmei diante de suas últimas declarações à imprensa brasileira sobre os eleitores de Dilma Rousseff, as quais tomo a liberdade de reproduzir, conclusivamente, aqui: - "... votam em Dilma porque desinformados".
Não, senhor FHC... o senhor está redonda e levianamente enganado. Voto em Dilma Rousseff, a exemplo do que afirma um dos "desinformados" que o senhor conhece bem, Chico Buarque de Holanda, para não falar de intelectuais da estatura da filósofa Marilena Chauí, o escritor e religioso Leonardo Boff ou o cronista Luís Fernando Veríssimo, porque conheço o passado dessa mulher valente e íntegra, que, diferentemente do senhor, à época militante da esquerda, não escapou do Brasil, na calada da noite, para um exílio confortável no Chile, regado a vinhos caros e caviar importado da Rússia.
Não, senhor sociólogo. Voto em Dilma porque admiro a dignidade com que suportou os maus-tratos físicos e psicológicos a que foi submetida pela ditadura militar, enquanto o senhor, refugiado no país amigo, refestelava-se entre amigos, livros e discos.
Voto na Dilma porque tenho olhos para ver os milhões de brasileiros, antes relegados ao submundo de sua miséria, que têm hoje comida na mesa, filhos no colégio ou na universidade, que vão aos shoppings, aos restaurantes populares com seus familiares aos domingos, que viajam de avião, que podem sonhar em comprar o seu carrinho e pagá-lo sem comprometer tanto a sua renda, porque sabem que não ficarão desempregados da noite para o dia, como era comum ocorrer durante o seu governo como presidente da República.
Votamos na Dilma porque queremos ver esclarecidos os ilícitos da Petrobras (lembra que até o nome da empresa o senhor quis mudar?) e em que, sabe-se agora, o seu partido está envolvido, conforme asseverou o delator Paulo Roberto Costa; bem como os do caso SIVAM, os do cartel no Metrô de São Paulo, do Mensalão Mineiro, dos aeroportos de Cláudio e Montezuma e outros que a Justiça, acumpliciada com o senhor, empurrou para debaixo do tapete. Sem esquecer, claro, o escândalo da privataria envolvendo a Telebras etc., etc.
Não senhor sociólogo FHC, não votamos em Dilma pelas razões que o senhor alega. Muitos dos "desinformados" a que se refere, num lampejo incontido de sua vaidade empedernida, cursamos universidade, lemos a fundo seus escritos, em cujas ideias acreditamos e nos espelhamos um dia, na linha do que professa no Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, onde propõe a compreensão do processo de construção e desagregação da sociedade escravocrata a partir da realidade do negro no país; as mesmas, lamentavelmente, que, algum tempo depois, para a nossa decepção, o senhor pediu que fossem esquecidas.
Votamos em Dilma, senhor FHC, porque não nos identificamos, sob qualquer aspecto, com o ideário dos 5% da população brasileira que o seu candidato Aécio Neves representa à perfeição, esteja ele sóbrio ou não. Refiro-me aos ultra-ricos que se beneficiaram às escancaras do seu governo excludente e concentrador.
Votamos em Dilma, não porque somos "desinformados", como o senhor, desavergonhadamente, afirma; mas porque nunca nos esquecemos da crise econômica a que o senhor levou o país, elevando as taxas de juros a níveis históricos, bem como a inflação e o desemprego; porque não esquecemos da crise do apagão, da compra de votos no Congresso Nacional etc., etc.
Não, senhor FHC, não é a falta de escolaridade que tira do homem a sua capacidade de se indignar com a mentira, a desfaçatez, o oportunismo cínico, a ganância de parte significativa dos nossos empresários, a serviço de cujos interesses, no governo ou fora dele, o senhor tem dedicado o seu tempo como político e como intelectual.
Voto na Dilma porque me entusiasma ver que o meu país não capitula mais, como era costume durante o governo do PSDB, diante do império americano e de suas manobras sórdidas para manter sob o seu domínio humilhante os países da América Latina.
Porque exulto ao saber que, hoje, temos voz altiva em termos mundiais, ao saber que alçamos à posição de país desenvolvido nesses 12 anos de governo do PT; porque o FMI treme de medo de Lula, porque vejo o sorriso no rosto dos humilhados e ofendidos de outrora, tempos que o senhor, sem medir os meios, como é próprio da elite que incorpora com sua megalomania cafona, aspira reconstituir por meios inconfessáveis, como as suas palavras demonstram tão bem.
*Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem. Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.